Tuesday, January 05, 2010

2010 (2)


Sobre a asa e o Falcão

Depois disso, eu entrei no quarto e me olhei no espelho, estranhei mesmo, após tudo que passei, que meu cabelo estivesse melhor do que no momento em que saí para comer. Eu sou difícil de olhar nos olhos, por pura vergonha de que se alguém me fitar profundamente, me descubra inteira. Se estou nua, corro de vergonha. Como quem esconde o sexo, caso precise esconder. E não confio em meu rosto que contém minhas marcas de tudo por onde andei e não consegui enxergar. Minha cara sou eu de verdade, por isso tenho medo e vergonha do olhar. Aos poucos, vou melhorando, juro. Olhei-me com pavor danado de que meus olhos pudessem me dar qualquer conselho aquela hora da madrugada. Arrumei minha cama, tirei os lençóis já sedentos de suor, coloquei outros limpos e cheirosos. Liguei o ar, dobrei roupas, joguei coisas no lixo. Me faz bem jogar coisas no lixo. Não vivo sem lixeira. Gosto de tê-las sempre por perto, qualquer canto meu terá algo para se jogar fora. Gosto também de arrumar minha bolsa, e foi bem isso que fiz. Deitei na cama e chorei. Como se eu armasse todo o cenário para se chorar. Chorei pouco, li alguma coisa, contos de Clarisse e chorei mais. Chorei porque era absurdo o quanto eu era todas as frases. E fiquei com raiva de não poder ser Clarisse.

O mundo anda muito ao meu redor. Sinto que estou sem a imaginação que me é necessária para ser válida e aceita como alguém que vomita palavras. Me sinto fraca e insuportavelmente menor. A menoridade está me sufocando, como quem engasga com aquelas balas redondas de corante. E o mundo continua sendo só eu, diminuída. Como se eu nunca pudesse perdoar meus vícios, meus erros. De não poder ser, apenas porque preciso que uma feche-se porta, para outra abrir, entende? Gosto de deixar tudo entreaberto. Como quem ainda pode voltar. Não! Melhor dizer assim: deixo tudo entreaberto, como quem não consegue sair. Sou prisioneira de meus fardos. De minhas mentiras que adoro me contar para não me encarar.

Estou aprendendo a lidar. O tempo anda mais rápido que eu nessas horas lentas. Lenta sou eu. Te disse que era um erro, que se fosse, ah se fosse, ia ser futuro. Futuro é tão amanhã, que até me arrepia. E aí? Já estou lá? Alguém andou me lendo e disse que estava tudo bem. Alguém me andou lendo e disse com um olhar, entendo como você está. Quero que se foda, que se foda toda. Curiosidade é uma doença transmissível e sem cura. Gosto de saciar. Eu lhe contei, não? Como aquele dia foi importante para mim. Não disse? Falo agora. Foi mesmo especial. Porque consegui ser uma verdade só. E olhei nos seus olhos com um medo do inferno e voltei bem quentinha. Logo depois, assustei. E as pessoas ao redor vivendo. E eu.

Eu sou aquela mulher que gosta da terceira pessoa.
Gosto assim ó:
Ela me disse que era uma mulher forte do caralho, mas bastou algumas biritas para que ela mostrasse ser frágil como porcelana. Ela tem um olhar forte de quem já passou muito tempo da vida sem óculos para não enxergar os rostos, as placas, as neuras. Porque, desse modo, achava também que as coisas, as pessoas, não viam ela. E tudo via. Ela mandou fazer um monte de expectativas, como quem vai viver de felicidade clandestina para sempre, igual no conto de Clarisse. Igual quando é páscoa e você já esta ciente onde o chocolate está escondido, mas prefere seguir as patinhas de farinha do coelhinho para ler as dicas de onde achar o que já se sabe. E depois brinda a emoção. Como se alguma coisa fosse, de fato, pura novidade.

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