Tuesday, July 31, 2007


Carta a Pingueleto


O mundo girou anos durante a metafísica do destino, e de minha ansiedade possessiva, que seqüestrou o tempo real. Olhei para o significado da vida e não bastou. O mundo girou durante horas e as coisas estavam sempre como quando eu vou a cozinha e deixo a porta da estante aberta, ou seja, inacabadas e minha mãe diz que eu tenho problema em finalizar. Um dia como uma faca ela me perfurou dizendo que todos meu problemas vinham do meu nada. E eu queria enfrenta-la e dizer que meu nada era a parte mais forte do meu processo, e não a causa em si, mas não tive forças. Ela me esfaqueou algumas vezes, e eu sangrava revoltada e sem conseguir retornar a situação. Eu batalhava por uma saída tradicional,como fizeram todos ao meu redor num passado distante, mas não engoli. Não agüentei e mais uma porta ficou aberta e abandonada e mais uma vez eu via a faca de minha mãe perfurar meu estomago alegando razão. Eu me machucaria tentando dizer o avesso, mas não o fiz. E o não fazer me levou a tantas situações que eu me explico, explico, e o contorno eu não acho. O meio, o raio, o controle remoto. Foi aí, e então que meu coração foi cortado pela metade, quando meu pai se foi. Neste meu momento da vida. Ele morreu interferindo uma crise só minha, ele atropelou meu espetáculo roubando a cena, dizendo adeus. E eu fiquei com saudades e crises, e crises e saudades. A ansiedade, os nervos, tinha achado uma razão real de eu ser quem sou. Como se sempre minhas crises fossem pela perda de um pai. E eu chorei de mansinho, e fiquei com medo de todas as doenças. Mais tive mais medo de enlouquecer na roda da vida. E o mundo continua me cobrando atenção. Ele me joga na cara histórias lindas, feitas de lágrimas e ouro e cá eu estou. Os loucos também sobrevivem, as mulheres tristes, fardadas a infelicidade, também sobrevivem, o pobretão trabalhador, também. No meu país, na insalubridade, as pessoas sobrevivem. E eu me invoco no meu nada, com tantos “tudos” para fazer. Eu me provoco, eu deslizo, eu não fecho a porta para abrir outra. Eu me assusto fácil demais, como se um urso pudesse me comer a cada segundo. Eu tenho medo desse remédio misterioso que ando tomando. Medo de acabar esquizofrênica, Estamira, Virginia Woolf. Eu tenho medo do meu nada virar doença, medo de não conseguir. Eu sonhei que tudo em outro país caia como areia e então lá fui eu me despedir de você meu pai, eu te abracei bem forte, eu dizia que iria partir, eu dizia que eu te amava.

Eu contei nossa história a uma amiga e ela entendeu, ela também passou por isso e eu egoísta não enxerguei sangue nela. Eu te perdi. Eu queria ao te perder, saber valorizar mais a vida, você foi embora sem me ensinar a ir a luta e eu estou neste frio valorizando meu nada, alimento de minha alma. E todas as vezes que tenho esse tipo de epifânia eu fico feliz, pois acordo disposta. No dia seguinte, abro três portas, não fecho nenhuma, depois o ciclo volta e isso me corroí, me desgasta. Agora estou sendo ajudada a escolher melhor a porta, estão tentando me ensinar como fecha-la também. Muitas coisas válidas, relíquias de museu, já foram descobertas nesse momento, mas eu ainda ando com problema de portas, com gastos, com cigarros, com amores, com a angustia, com a comida, com o futuro.

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